Acórdão: 0000638-05.2014.5.04.0261 (RO)
Redator: Francisco Rossal De Araújo
Participam: Francisco Rossal De Araújo, Lucia Ehrenbrink, Juraci Galvão Júnior
Órgão julgador: 8ª Turma
Data: 02/06/2016

PROCESSO: 0000638-05.2014.5.04.0261 RO

EMENTA

HORAS EXTRAS. TRABALHO INSALUBRE. A compensação semanal de jornada é instituto previsto pela Constituição Federal (art. 7º, inciso XIII) e, de acordo com o disposto no art. 60 da CLT, nas atividades consideradas insalubres, somente pode ser acordada mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho. A Súmula nº 349 do TST, que flexibilizava a norma consolidada e dispensava a inspeção prévia da autoridade competente em determinados casos, foi cancelada (Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31/05/2011), de forma que hoje pode-se considerar o art. 60 da CLT aplicável sem maiores ressalvas aos casos que chegam a conhecimento desta Justiça Especializada. Não havendo prova da existência de licença prévia por parte das autoridades competentes, tem-se por inválido o regime compensatório. Assim, reconhecida a invalidade do regime compensatório, incide o entendimento exposto no item III da Súmula 85 do TST, tendo o reclamante direito ao pagamento do adicional de horas extras sobre as horas irregularmente compensadas.

INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. Adota-se a orientação do TST, de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Por aplicação analógica do art. 71, § 4º, da CLT, a não observância do intervalo de 15 minutos antes do início do labor extraordinário enseja o pagamento do período correspondente como extra. Recurso da reclamada improvido.

ACÓRDÃO

por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso ordinário da reclamada, para para restringir a condenação ao pagamento de horas extras (hora mais adicional) àquelas excedentes à jornada semanal, estabelecendo que, quanto as horas destinadas à compensação, somente é devido o adicional. Valor da condenação reduzido em R$ 600,00.

RELATÓRIO

Inconformada com a sentença de fls. 78/87, que julgou a ação procedente em parte, recorre ordinariamente a reclamada, conforme razões de fls. 91/93 .

Requer a reforma do julgado relativamente à nulidade do regime de compensação e à condenação ao pagamento de horas extras pela não observância do intervalo do art. 384, da CLT.

Custas processuais (fl. 94) e depósito recursal (fl. 93v ), na forma da lei.

O reclamante não apresenta contrarrazões.

Pelo contexto fático do processo (alegações e provas), verifica-se que a parte autora desempenhava as funções auxiliar de fábrica e que o período de trabalho foi de 07/02/2014 a 05/05/2014.

Sobem os autos a este Tribunal para julgamento, sendo distribuídos a este Relator.

VOTO RELATOR

DESEMBARGADOR FRANCISCO ROSSAL DE ARAÚJO:

1. Horas extras. Jornada compensatória.

A reclamada recorre da condenação em horas extras, aduzindo que foram pagas ou compensadas com a diminuição do trabalho em outro dia. Sustenta que o regime compensatório é válido, pois está previsto em norma coletiva, nos termos do inciso XXVI do art. 7º da CF. Aduz que o fato da autora laborar em atividade insalubre não possui o condão de invalidar o acordo compensatório, porque tal regime não modifica em nada a jornada semanal cumprida. Ressalta que a jornada foi negociada e estabelecida em norma coletiva, em benefício do empregado e que a empresa paga o adicional de insalubridade, apesar de fornecer aos empregados os EPIs necessários ao desempenho da sua atividade. Diz que a norma coletiva deve ser analisada como um todo e não cláusula a cláusula.

A sentença considera válidos os cartões-ponto, entretanto, em relação ao regime de compensação aplicado pela reclamada, entende que não há como reconhecer a sua validade, pois para que fosse instituído a reclamada dependia de licença prévia das autoridades competetes em matéria de higiene do trabalho, nos termos do art. 60 da CLT, o que não foi demonstrado nos autos. Condena a reclamada ao pagamento de horas extras, com reflexos (fls. 78/87).

Na inicial (fl. 03), a reclamante afirma ter laborado em jornada extraordinária, tendo em vista que a reclamada adota regime de compensação, que é inválido, por ultrapassar os limites estabelecidos nas normas coletivas e legais.

Na defesa (fls. 33/42), a reclamada nega que a reclamante tenha laborado em jornada extraordinária sem a devida compensação ou pagamento. Afirma que o regime compensatório estava previsto nas normas coletivas. Argumenta que, mesmo que assim não fosse, é devido apenas o adicional de horas extras, nos termos da Súmula 85, do TST.

Não foi produzida prova oral.

Quanto ao regime de compensação, a reclamada traz aos autos acordo individual de compensação de jornada assinado pelo reclamante (fl. 46). Também existe autorização em norma coletiva para a realização de compensação de jornada, conforme consta em CD depositado aos autos (norma coletiva de 2013/2014, firmada entre a ré e o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Alimentação de Montenegro, que define:

Cláusula vigésima quinta - Compensação de Horas

Nos termos do inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal, fica a empresa autorizada a compensar mensalmente, mediante prorrogação da jornada de trabalho de todos os seus empregados, observando o limite máximo de 10 (dez) horários diárias, independente do cargo, função, condições e ambiente de trabalho.

A norma coletiva estabelece, ainda, que a jornada será cumprida de segunda a sexta, sendo que eventual trabalho aos sábados ou cumprimento de horas extras não descaracteriza o regime compensatório, nos termos do que prevê a Súmula 85, V, do TST e desde que respeitado o limite legal de 10 horas diárias trabalhadas.

Verifica-se nos cartões-ponto (fls. 52/55) que, na prática, o regime de compensação adotado é de compensação semanal.

A compensação semanal de jornada é instituto previsto pela Constituição Federal (art. 7º, inciso XIII) e largamente utilizado nas relações laborais. Por meio dele, aumenta-se a jornada, normalmente, de segunda a sexta-feira, com vistas a suprimir o trabalho aos sábados, permitindo ao trabalhador o maior convívio social e familiar. Contudo, de acordo com o disposto no art. 60 da CLT, nas atividades consideradas insalubres, quaisquer prorrogações no horário de trabalho só podem ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho.

A Súmula nº 349 do TST, que flexibilizava a norma consolidada e dispensava a inspeção prévia da autoridade competente em determinados casos, foi cancelada (Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31/05/2011), de forma que hoje pode-se considerar o art. 60 da CLT aplicável sem maiores ressalvas aos casos que chegam a conhecimento desta Justiça Especializada.

Note-se que não há, nos autos, prova da existência de licença prévia por parte das autoridades competentes e, diante disso, tem-se por inválido o regime compensatório. A existência de convenção coletiva de trabalho estabelecendo a carga horária de 44 horas semanais, de segunda a sexta-feira, não torna dispensável a licença prévia de que trata o art. 60 da CLT.

Reconhecida a invalidade do regime compensatório, incide o entendimento exposto no item III da Súmula 85 do TST, que se adota:

O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

Ressalta-se que se trata de invalidade do regime compensatório e não se sua inexistência.

Contudo, tal como argumenta o reclamado, sendo inválido o regime de compensação, deve ser aplicado o item III, da Súmula 85, do TST, que "o mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional".

Assim, o reclamante tem direito ao pagamento do adicional de horas extras sobre as horas irregularmente compensadas.

Desse modo, dá-se parcial provimento ao recurso ordinário da reclamada, para para restringir a condenação ao pagamento de horas extras (hora mais adicional) àquelas excedentes à jornada semanal, estabelecendo que, quanto as horas destinadas à compensação, somente é devido o adicional.

2. Intervalo do art. 384 da CLT

A reclamada insurge-se contra a condenação ao pagamento de quinze minutos à título de intervalo do art. 384, da CLT. Alega que a concessão afronta o inciso I do art. 5º da CF. Apresenta jurisprudência.

A sentença deferiu o pagamento do intervalo previsto no artigo 384 da CLT como extras com reflexos em repousos semanais remunerados, férias 13º salários e FGTS. Afirma que o TST, em análise de Recurso de Revista, acabou por consagrar a tese de que a norma, ao garantir o descanso apenas à mulher, não ofende o princípio da igualdade, face às desigualdades inerentes à jornada da trabalhadora, em relação a do trabalhador (fls. 84/85v)

Inicialmente, cabe salientar que o art. 384 da CLT está inserido no Capítulo III, que trata da proteção do trabalho da mulher. O referido dispositivo legal estabelece que deve ser concedido às trabalhadoras um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário de trabalho. Este Relator entende que o art. 384 da CLT, após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, não mais prevalece, tendo em vista que o art. 5º, inciso I, estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações. Ao preconizar um período de intervalo tão-somente às trabalhadoras, a CLT faz uma distinção injustificada sob a nova ótica constitucional.

Contudo, deve-se levar em conta que o TST, em julgamento proferido por seu Tribunal Pleno, por maioria de votos, rejeitou o incidente de inconstitucionalidade IIN-RR - 1540/2005-046-12-00.5 referente ao dispositivo legal mencionado. Segundo o TST, a igualdade jurídica entre homens e mulheres não afasta a natural diferença fisiológica e psicológica dos sexos, devendo ser levada em conta a diferença de compleição física envolvida. Tendo em vista a máxima relativa ao princípio da isonomia de tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, o TST considerou o aludido dispositivo legal compatível com a Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, também vem se pronunciando este Tribunal:

INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. O art. 384 da CLT foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal, fazendo jus a trabalhadora a um intervalo de 15 minutos antes do início da prorrogação da jornada de trabalho. Assim, se reclamante laborou em jornada extraordinário e não lhe foi concedido este intervalo, faz jus ao pagamento, como extra, do período correspondente. Precedentes do TST nesse sentido. Sentença reformada, no aspecto. (TRT da 4ª Região, 4a. Turma, 0000264-89.2010.5.04.0661 RO, em 19/05/2011, Desembargador Hugo Carlos Scheuermann - Relator. Participaram do julgamento: Desembargador Fabiano de Castilhos Bertolucci, Desembargador João Pedro Silvestrin).

(...) INTERVALO DO ART. 384 DA CLT. A norma institui diferenciação compatível com a constituição biofísica desigual da mulher em relação ao homem, como medida protetiva de sua saúde, bem como considera o fato de ter de exercer dupla jornada de trabalho, tanto no seu emprego quanto no âmbito doméstico e familiar, como dona de casa e mãe. (TRT da 4ª Região, 9a. Turma, 0138000-60.2008.5.04.0002 RO, em 22/04/2010, Juíza Convocada Lucia Ehrenbrink - Relatora. Participaram do julgamento: Desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa, Desembargadora Carmen Gonzalez)

Assim, por política judiciária, adota-se a orientação do TST, de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. E, por aplicação analógica do art. 71, § 4º, da CLT, a não observância do intervalo de 15 minutos antes do início do labor extraordinário enseja o pagamento do período correspondente como extra.

Como analisado no tópico acima, foi reconhecido o direito à percepção de horas extraordinárias, o que implica extrapolação da jornada legal de oito horas diárias a que a autora estava submetida, fazendo jus ao intervalo em questão.

Nega-se provimento ao recurso, neste aspecto.