Acórdão: 0020432-49.2019.5.04.0871 (ROT)
Redator: SIMONE MARIA NUNES
Órgão julgador: 6ª Turma
Data: 24/06/2021

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO
Identificação

PROCESSO nº 0020432-49.2019.5.04.0871 (ROT)
RECORRENTE: RAMAO DORIVAL DE OLIVEIRA NUNES
RECORRIDO: COMPANHIA DE PESQUISAS DE RECURSOS MINERAIS - CPRM
RELATOR: SIMONE MARIA NUNES

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. OBSERVADOR HIDROLÓGICO. MEDIÇÃO EM ESTAÇÃO FLUVIOMÉTRICAS E PLUVIOMÉTRICA. VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. A atividade de Observador Hidrológico, por si só, não caracteriza vínculo de emprego, por ausência de subordinação e pessoalidade. Recurso a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO RECLAMANTE.

Intime-se.

Porto Alegre, 23 de junho de 2021 (quarta-feira).

RELATÓRIO

Inconformada com a sentença de improcedência dos pedidos, a parte autora interpõe recurso ordinário, pretendendo a reforma da decisão de origem em relação ao reconhecimento do vínculo de emprego.

A reclamada apresenta contrarrazões.

Na forma regimental, vem os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

VÍNCULO DE EMPREGO

A parte autora não se conforma com a sentença de improcedência do pedido de reconhecimento do vínculo de emprego e do pedido de pagamento de verbas trabalhistas daí decorrentes. Afirma que, desde 01 de janeiro de 1985 desempenha atividade inerente ao cargo de Técnico em Hidrologia no Município de Garruchos/RS. Relata que realizava, duas vezes por dia, medição em estações fluviométrica e pluviométrica. Além disso, refere que realizava a manutenção simples das estações. Aduz que recebia dois salários mínimos por ano, mas, não, o pagamento em dobro de trabalho prestado em domingos e feriados. Entende que a prestação de trabalho ocorre de forma não eventual, subordinada, pessoal e onerosa, e se enquadra no conceito de tarefa. Diz que existia um elo de confiança entre as partes. Requer a reforma do julgado.

A parte reclamada defende que a parte autora laborava de forma autônoma, realizando somente medições do nível da água, no início da manhã e no final da tarde, totalizando 20 (vinte) minutos por dia. Refere que a atividade é desenvolvida por moradores vizinhos às estações, denominados Observadores Hidrológicos. Invoca artigo 37, II da Constituição Federal. Assegura que não estão presentes os requisitos do vínculo de emprego. Pugna pelo não provimento do recurso ordinário.

Pois bem.

A tese da petição inicial é de que a relação havida entre as partes configura vínculo de emprego, ao passo que a tese da defesa, apesar de reconhecer a prestação de serviços, é no sentido de que se trata de trabalho autônomo.

Segundo os elementos de prova, especialmente, os Recibos de Pagamento a Contribuinte Individual, a parte autora, desde o ano de 1985, executa serviços de medição fluviométrica (água dos rios) e pluviométrica (água das chuvas), na estação de Garruchos/RS (ID. 511a492 - Pág. 12).

A reclamada confirma os fatos, afirmando que "o Reclamante ter sido contratado pela Reclamada em 1.1.1985 para efetuar as medições fluviométricas do rio Uruguai e medições pluviométricas nas estações de Garruchos/RS". (ID. 0d3a780 - Pág. 2).

Todavia, apesar de ser incontroversa a prestação de serviços, a realidade da relação havida entre as partes não demonstra a presença de subordinação, principal elemento do vínculo de emprego. A parte autora realizava a medição das estações fluviométrica e pluviométrica em tempo mínimo, não mais que 10 (dez) minutos, sem qualquer interferência da reclamada, tampouco fiscalização. Tanto é assim, que a prestação de serviços ocorria em local distante da sede reclamada, sem contato através de meios eletrônicos, a exemplo de computador notebook, e sem qualquer monitoração ou fiscalização da atividade.

Como bem observado pelo magistrado que proferiu a sentença "não se cogita houvesse qualquer interferência ou fiscalização na execução do serviço, tanto que a reclamada não realizava qualquer avaliação da exatidão dos dados anotados pelo reclamante."

Além da ausência de subordinação, também não havia pessoalidade, pois a prestação de serviços poderia ser realizada por pessoa distinta, não necessariamente a parte autora, o que de fato ocorreu, como bem analisado pelo juiz de primeiro grau. O próprio autor e as testemunhas admitem que a tarefa poderia ser cumprida por outra pessoa.

Não se denota, ainda, o exercício do poder diretivo do empregador, na medida em que ausente qualquer possibilidade de punição em caso de descumprimento da tarefa.

Desse modo, outra não pode ser a conclusão, senão a de que os recibos de pagamento representam a realidade da relação havida entre as partes, qual seja, contrato de trabalho autônomo, desprovido de subordinação e pessoalidade.

Ainda que assim não fosse, a pretensão encontra óbice no artigo 37, II da Constituição Federal, segundo o qual, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

O caso dos profissionais medidores de estações fluviométrica (água dos rios) e pluviométrica (água das chuvas), envolvendo a mesma reclamada, ou empresa pública com atribuições idênticas, trata-se de matéria recorrente na jurisprudência.

Neste sentido, decisões pertinentes ao tema:

RELAÇÃO DE EMPREGO. OBSERVADOR HIDROLÓGICO. Vínculo empregatício que não se reconhece, pois evidenciada pela própria atividade exercida pelo reclamante a ausência da subordinação típica existente entre empregado e empregador. Sentença mantida. (TRT-4. RO: 0110300-47.1995.5.04.0461. Relator: Fabiano de Castilhos Bertolucci. Data de Julgamento: 08/10/1997)

VÍNCULO DE EMPREGO. Observador hidrológico. Trabalho consistente na medição do nível da água, nos dias de chuva. Caso em que ficou patente a inexistência de pessoalidade da prestação do trabalho e a subordinação. Vínculo de emprego não reconhecido. (TRT-4. RO: 0110400-02.1995.5.04.0461. Relator: Irani Rodrigues Palma. Data de Julgamento: 13/11/1997)

VÍNCULO DE EMPREGO. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS INSERTOS NOS ARTS 3º DA CLT. NÃO CONFIGURAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ORIGINÁRIA. Impossível o reconhecimento de vínculo empregatício quando não configurados os elementos essenciais caracterizadores desse tipo de relação laboral, a teor do que dispõem os artigos 2º e 3º, ambos da CLT. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (TRT-21. RO: 0210232-35.2014.5.21.0019. Relatora: Auxiliadora Rodrigues. Órgão Julgador: 2ª Turma. DJE 13/04/2015)

VÍNCULO DE EMPREGO. ÔNUS DA PROVA. Diante da negativa de vínculo sustentada na defesa, compete ao autor comprovar a existência dos requisitos necessários à configuração da relação de emprego. (TRT-5. RO: 0000531-97.2011.5.05.0661. Relator: Elisa Amado. Órgão Julgador: 1ª Turma. Data de Julgamento: 01/10/2012)

RELAÇÃO DE EMPREGO: Ausentes os requisitos elencados no art. 3º da CLT, descaracterizada está a existência da relação empregatícia.

(...) É incontroverso nos autos que o reclamante trabalhava por cerca de meia hora por dia, pela manhã às 7:00h e à tarde às 17:00. Nesse tempo registrava em planilha própria, fornecida pela reclamada, o nível das águas do rio Canindé e do pluviômetro. O centro da questão está em determinar se estão presentes na relação de trabalho do autor com a reclamada os elementos do art. 3º da CLT que exprimem a condição de relação de emprego.

(...)

Está ausente o requisito pessoalidade para que se possa caracterizar a relação como empregatícia. Se o reclamante podia se fazer substituir por qualquer pessoa, sem qualquer controle da reclamada, como assim admitiu que fez por cerca de três meses, resta desconfigurada a relação empregatícia. O elemento subordinação também não se configurou satisfatoriamente, visto que pela própria natureza do trabalho realizado não há controle, nem obrigatoriedade de que se realizasse com rigor a tarefa, mas apenas que se fizesse com regularidade.

A r. decisão de primeiro grau deve, portanto, ser mantida, pelos seus próprios fundamentos. (Grifou-se). (TRT-22. RO: 0001164-2009-107-22-00-3. Relator: Laercio Domiciano. Órgão Julgador: 2ª Turma. Data de Julgamento: 16/03/2010)

O Tribunal Superior do Trabalho já se pronunciou sobre o tema, no mesmo sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PESSOALIDADE E SUBORDINAÇÃO. 1. O Tribunal Regional registrou que a prova oral produzida, especialmente o depoimento do autor, demonstra a inexistência dos requisitos da pessoalidade e da subordinação, indispensável para a demonstração do vínculo empregatício. 2. Na espécie, restou consignado pela Corte de origem que "o próprio recorrente admitiu a possibilidade de sua esposa realizar a medição do nível pluviométrico do rio e revelou que, caso não a fizesse, ou fizesse errado, não haveria nenhuma punição decorrente" e que o "trabalho do reclamante sequer sofria algum tipo de fiscalização, e que o pagamento pelos serviços ocorria de três em três meses". Assim, o Tribunal a quo concluiu que "o reclamante não logrou êxito em comprovar a existência da alegada relação de emprego, nos moldes previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, ônus que lhe competia, a teor do disposto nos arts. 333, inciso I, do CPC e 818 da CLT, não havendo falar em inversão do ônus do prova", tampouco em pagamento de indenização. 3. Conclusão em sentido diverso implicaria a revisão do conjunto fático-probatório dos autos. Óbice da Súmula 126 desta Corte. inviolados aos arts. 1º, IV, da Constituição da República e 182 do CCB, Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST AIRR: 566-86.2010.5.04.0025. Relator: Hugo Carlos Scheuermann. Órgão Julgador: 1ª Turma. Data de Julgamento: 12/02/2014)

Portanto, não é caso de vínculo de emprego, nada sendo devido.

Nego provimento ao recurso ordinário.

SIMONE MARIA NUNES

Relator

VOTOS

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADORA SIMONE MARIA NUNES (RELATORA)

DESEMBARGADORA BEATRIZ RENCK

DESEMBARGADORA MARIA CRISTINA SCHAAN FERREIRA