Acórdão: 0021256-27.2017.5.04.0661 (ROT)
Redator: MARIA SILVANA ROTTA TEDESCO
Órgão julgador: 4ª Turma
Data: 11/03/2021

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO
Identificação

PROCESSO nº 0021256-27.2017.5.04.0661 (ROT)
RECORRENTE: IDALINA INES TREVISAN
RECORRIDO: NATURA COSMETICOS S/A
RELATOR: MARIA SILVANA ROTTA TEDESCO

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. VÍNCULO DE EMPREGO. Hipótese em que as atividades da autora como Consultora Natura Orientadora foram desempenhadas com subordinação à reclamada, estando presentes todos os requisitos do vínculo de emprego constantes do art. 3º da CLT. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, DAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA RECLAMANTE, IDALINA INES TREVISAN, para reconhecer o vínculo de emprego entre as partes no período de 12/05/2011 a 13/06/2017, determinando-se o retorno dos autos à origem para julgamento dos demais pedidos da inicial.

Sustentação oral: *VÍDEO* Adv.: Fabio Zimermann Beux (PARTE: Idalina Ines Trevisan), *VÍDEO* Adv.: Gustavo Galvao Garbes (PARTE: Natura Cosmeticos S/A).

Intime-se.

Porto Alegre, 10 de março de 2021 (quarta-feira).

RELATÓRIO

Inconformada com a r. sentença ID 40a7cf4, na qual julgada improcedente a ação, recorre ordinariamente a reclamante (ID 007a82a).

Pretende a reforma da decisão de origem quanto ao vínculo de emprego e pedidos decorrentes.

Dispensado o recolhimento de custas processuais.

A reclamada apresenta contrarrazões ( ID eeb3d7f ).

Sobem os autos a este Tribunal para juIgamento, sendo distribuídos a esta Relatora.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA RECLAMANTE

VÍNCULO DE EMPREGO E PEDIDOS DECORRENTES

O Juízo de origem reputou ausentes os requisitos do artigo 2º e 3º da CLT julgando improcedente o pedido de declaração de vínculo de emprego, bem como dos demais pedidos formulados, visto que dependentes da existência do vínculo empregatício não reconhecido (ID 40a7cf4 - Pág. 3-10).

Busca a reclamante a reforma da sentença. Alega que era Consultora Orientadora Natura (CNO) e não Consultora Natura (CN), e que tais atividades são distintas, sendo que o trabalho desempenhado pela "CN" não configura o vínculo de emprego, enquanto as atividades desenvolvidas pela CNO são típicas de empregadas da recorrida e não de autônoma. Reafirma a ocorrência de subordinação jurídica direta com a recorrida, sendo o elo entre as Consultoras (CN) e as Gerentes (empregadas da recorrida). Aduz que a função da Consultora (CN) era, basicamente, vender o produto, diferente da Consultora Natura Orientadora (CNO) que era responsável por selecionar candidatas a consultoras da Natura, gerir o grupo de consultoras dando suporte, orientação, treinamento, cursos, entrega de produtos e material de merchandising, dentre outras atividades conforme a determinação e necessidade da reclamada. Salienta que exercia a atividade-fim da empresa, pois deveria realizar novos cadastros, mantê-los ativos, agenciar, qualificar, treinar, dar suportes, cobrar produtividade de vendas a um determinado grupo de CN (Vendedoras). Considera que, pela atividade-fim desenvolvida e dada a obrigatoriedade de cumprir metas, por si só já estaria demonstrada a subordinação jurídica e, por outro lado, ainda existia a obrigatoriedade de participar das reuniões de ciclo e fazer o plano do ciclo juntamente com a gerente. Sustenta estarem presentes, na relação havida, a habitualidade e pessoalidade, já que laborou todos os dias durante 6 anos, de 12.05.2011 a 13.06.2017. Salienta que a onerosidade se constitui pelos pagamentos realizados pela recorrida em todos os finais de ciclos com 21 dias. Aduz que a recorrida pagava por ciclos e que cada 3 ciclos se equiparavam ao pagamento de 2 meses de salário, pagamentos estes que ocorriam de forma habitual. Requer, assim, a reforma da sentença.

Com razão.

Para o reconhecimento da existência de vínculo jurídico de emprego é necessário que restem preenchidos os requisitos elencados no art. 3º da CLT, a saber, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade.

Ressalte-se que a existência ou não da relação de emprego não depende da vontade dos contratantes, mas emerge da maneira como o trabalho é prestado. O contrato de trabalho é um contrato realidade e, assim, mesmo que haja diferentes denominações à relação estabelecida, o que definirá sua natureza juridica é a forma como o trabalho é prestado. Para a qualificação do trabalho sem os contornos da relação de emprego se faz necessário, efetivamente, demonstrar a verdadeira autonomia com que o prestador desenvolve a sua atividade e. que possa se contrapor ao regime de emprego. Portanto, sempre que o trabalhador despenda sua força de trabalho para o alcance dos objetivos do tomador desta, estando hierárquica e juridicamente submetido ao seu poder de direção, restará qualificada a figura do empregado e não do trabalhador autônomo.

Na inicial, a autora afirma que trabalhou para a demandada de 12/05/2011 a 13/06/2017, na função de CNO Natura (Consultora Natura Orientadora), alegando que, apesar de ter sido formalmente celebrado como contrato de prestação de serviços atípico, tratava-se, na verdade, de vinculo de emprego, ressaltando que as tarefas desenvolvidas, de forma pessoal e subordinada, inseriam-se na atividade-fim da demandada.

A ré, na defesa (ID 9855006), aduz que a autora iniciou seu relacionamento comercial com a empresa em 22/09/2000, inicialmente como consultora, atuando como revendedora de cosméticos e que, sem deixar de ser consultora, em 12/05/2011, decidiu exercer também a atividade de Consultora Natura Orientadora, mediante a assinatura de contrato de prestação de serviços atípico. Sustenta que os valores pagos à Consultora Natura Orientadora (CNO) são variáveis, de acordo com os critérios previstos no Anexo I do contrato firmado, não se tratando de comissão ou porcentagem sobre as vendas das consultoras do grupo, mas de recebimento por faixas de atividades pela indicação de novas consultoras, bem como pela quantidade de consultoras ativas. Fundamenta, ainda, que, no que se refere à atividade de revenda, nenhum valor é pago pela reclamada, sendo o rendimento proveniente do lucro obtido entre a diferença do valor comprado em relação ao valor vendido a seus clientes. Nega que tenha existido vínculo de emprego com a reclamante. Esclarece que no modelo de venda direta adotado, as Consultoras Natura são revendedoras de cosméticos que compram produtos para ulterior revenda ao mercado de consumo, obtendo seus ganhos da diferença entre o valor de compra e de venda das mercadorias. Refere que a Consultora Natura, se desejar, pode firmar contrato de prestação de serviços atípico, para tornar-se Consultora Natura Orientadora - CNO e receber contraprestação pecuniária pela indicação de novas revendedoras, e que a empresa não interfere nas tarefas de revenda ou indicação de novos revendedores, sendo assegurado à CNO, dada a natureza de trabalhadora autônoma, a livre direção de sua prestação de serviços.

Admitida a prestação de serviços pela reclamada é dela o ônus da prova de que a relação não se deu sob a forma de vínculo de emprego, nos termos dos art. 818, II, da CLT e 373, II, do CPC, do qual entendo que não se desincumbiu a contento.

A prova dos autos não deixa dúvidas de que o trabalho da autora na condição de Consultora Orientadora foi prestado com subordinação à reclamada, sem a suposta autonomia alegada.

Com efeito, em seu depoimento utilizado neste feito como prova emprestada, a preposta da reclamada disse que:

"que a reclamante como CNO fazia prospecção de novas CNs e incentivava as vendas pelas CNs; (...) que a reclamante era "desafiada" pela reclamada para fazer mais vendas, mas não para manter CNs; que as vendas das CNs repercutiam na remuneração da CNO, "quanto mais eu vendo mais eu ganho"; que dentre as decisões comerciais referidas estava a troca da pessoa que ocupava a função de CNO; (...) que os gerentes fazem campanhas de incentivo para que os CNOs consigam novas CNs, inclusive com brindes." (a2fd3b3).

Como se vê do depoimento acima transcrito, a reclamante, como CNO (Consultora Natura Orientadora), tinha metas a cumprir, as quais eram cobradas pela reclamada, o que se verifica, também, de forma inconteste pelos emails juntados à inicial (ID 24c41b5) e se mostra incompatível com a sustentada autonomia da atividade.

Relevante destacar, ainda, trechos do depoimento da testemunha Sônia, utilizado da mesma forma como prova emprestada (ID a2fd3b3):

"que a CNO tinha a função de orientar, cobrar pedidos, entrar em contato para dar ciência de promoções, avisar o início do ciclo, avisar sobre boletos vencidos; que para fazer pedido os CNs precisavam quitar os boletos vencidos; que a depoente como CNO tinha meta de prospecção de novas CNs, metas de atividades, pela qual um percentual variável das CNs cadastradas tinham que fazer pedidos no ciclo (ativas) e metas de CNs cessadas, o número de CNs novas tinha que ser sempre maior que as descadastradas; que a cobrança das metas se dava com ameaça de desligamento da função de CNO e substituição por outra pessoa além da consequência financeira; que também havia metas de volume, que diz respeito aos valores vendidos pelas CNs; que a remuneração dos CNOs se dava por CNs ativas e volumes de pontos, sendo os pontos obtidos pelo valor em vendas".

Tal depoimento demonstra que havia, inclusive, ameaça de desligamento da CNO em caso de não cumprimento das metas estabelecidas, o que, a toda evidência, não se coaduna com a suposta autonomia na função sustentada pela reclamada.

Veja-se, ainda, que a função de Consultora Natura Orientadora era, justamente, angariar novas consultoras (revendedoras) e orientá-las em seu trabalho, servindo como elo entre a empresa e as revendedoras, não havendo falar que tal função fosse prescindível à reclamada. Pelo contrário, a função de consultora orientadora é de suma importância na organização do trabalho da empresa e se insere em suas atividades finalísticas.

Quanto à pessoalidade, ressalte-se que tal requisito é evidenciado no próprio contrato firmado entre as partes, que dispõe não ser permitida a contratação e/ou sub-contratação de terceiros para a execução dos serviços, sob pena de rescisão automática do ajuste (cláusula X, § 2º, ID cc7d6b0 - p. 5).

Já a onerosidade e a não eventualidade são incontroversos.

Portanto, no caso dos autos, entende-se estarem suficientemente demonstrados todos os requisitos para o reconhecimento do vínculo de emprego, na forma dos artigos 2º e 3º da CLT.

Sinale-se que não altera o presente entendimento o quanto concluído pelo Ministério Público do Trabalho no Inquérito Civil nº 004294.2013.02.000/6, pois a análise acerca da existência ou não do vínculo de emprego é casuística, dependendo da produção e do exame da prova em cada caso concreto.

Assim me posicionei compondo o julgamento do processo nº 0020193-39.2016.5.04.0131 (ROT), 5ª Turma, 0020193-39.2016.5.04.0131 ROT, em 08/06/2017, Relator Desembargador Clovis Fernando Schuch Santos.

No mesmo sentido, citam-se os seguintes julgados desta 4ª Turma, nos quais também foi reconhecido o vínculo de emprego entre a consultora natura orientadora e a reclamada:

VÍNCULO DE EMPREGO. CONSULTORA NATURA ORIENTADORA. Admitida a prestação de serviços pela empresa ré, a existência do vínculo de emprego é presumida. Assim, é ônus processual da reclamada, por ser fato impeditivo do direito da reclamante, demonstrar que o trabalho desta não se revestiu das características da relação empregatícia, nos termos dos arts. 818 da CLT e 373, inciso II, do CPC. Hipótese em que a reclamada não se desincumbe a contento do seu ônus probatório. Além disso, a subordinação é definida atualmente pela doutrina através de seu aspecto objetivo, ou seja, pela participação integrativa da atividade do obreiro na atividade do credor do trabalho. As funções da autora não se limitavam à encomenda de produtos, ao contrário, serviam como imprescindível elo de ligação entre a empresa e as revendedoras. Com efeito, a ausência das consultoras orientadoras acarretaria a dispersão de esforços, com vendas caóticas, sem que fosse possível sequer estabelecer metas. A recorrente não poderia fazer o comércio porta-a-porta de perfumarias e produtos de higiene em todo território nacional sem organização mínima desse negócio, mediante prepostos que transmitissem aos vendedores suas diretrizes e estratégias para as vendas e forma de atuação. Nesse diapasão, é inequívoca a inserção da reclamante nas atividades essenciais da ré. Recurso ordinário da reclamada desprovido. (TRT da 4ª Região, 4ª Turma, 0021244-91.2015.5.04.0205 ROT, em 18/05/2017, Desembargador Andre Reverbel Fernandes)

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. VÍNCULO DE EMPREGO. CONSULTOR NATURA ORIENTADOR - CNO. O desempenho da atividade de Consultor Natura Orientador - CNO, inserida na dinâmica de organização e funcionamento da reclamada, como no lançamento de produtos, show-rooms, eventos de reconhecimento, auxílio na passagem de pedidos e prestação de suporte aos Consultores Natura, os quais vendem produtos Natura diretamente aos consumidores, evidencia elementos configuradores da relação de emprego (arts. 2º e 3º da CLT). Provimento negado. (TRT da 4ª Região, 4ª Turma, 0020211-93.2016.5.04.0702 ROT, em 24/10/2018, Desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse - Relatora)

Colaciono, ainda, as seguintes ementas deste E. TRT em casos análogos:

"VÍNCULO DE EMPREGO. CONSULTORA NATURA ORIENTADORA. Presentes os requisitos configuradores da relação de emprego, a saber: não eventualidade, onerosidade, pessoalidade e, principalmente subordinação (esta de caráter estrutural, pela inserção na dinâmica do tomador dos serviços), imperioso o reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes (TRT da 4ª Região, 3ª Turma, 0020718-75.2017.5.04.0522 ROT, em 13/02/2021, Carmen Izabel Centena Gonzalez)

VÍNCULO DE EMPREGO. CONSULTORA NATURA ORIENTADORA. Comprovado que o labor exercido na função de Consultora Natura Orientadora preenche os requisitos da pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação, descritos no artigo 3º da CLT, inserindo-se na dinâmica da atividade empresarial e colaborando diretamente para o atingimento dos fins econômicos do empreendimento, impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego entre a reclamante e a empresa Natura. (TRT da 4ª Região, 2ª Turma, 0022174-90.2017.5.04.0512 ROT, em 23/09/2020, Desembargador Clovis Fernando Schuch Santos)

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. CONSULTORA NATURA ORIENTADORA. RELAÇÃO DE EMPREGO. NÃO CONFIGURADO. A caracterização do vínculo de emprego impõe a presença dos requisitos do art. 3º da CLT, quais sejam: pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade. Caso em que resultou evidenciado que não havia subordinação na relação mantida entre as partes. Recurso provido. (TRT da 4ª Região, 5ª Turma, 0020402-56.2019.5.04.0663 ROT, em 06/08/2020, Desembargadora Angela Rosi Almeida Chapper)

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso da reclamante para reconhecer o vínculo de emprego entre as partes no período de 12/05/2011 a 13/06/2017, determinando-se o retorno dos autos à origem para julgamento dos demais pedidos da inicial.

PREQUESTIONAMENTO.

A presente decisão não viola os dispositivos legais e constitucionais invocados pelas partes, os quais tenho por prequestionados, ainda que não tenham sido expressamente mencionados, nos termos da Súmula nº 297 do TST e das Orientações Jurisprudenciais 118 e 119 da SDI-1 do TST.

MARIA SILVANA ROTTA TEDESCO

Relator

VOTOS

DESEMBARGADOR JOÃO PAULO LUCENA:

Embora já tenha decidido diversamente em outros feitos, inclusive naquele referido na sentença (ID. 40a7cf4 - Pág. 9, processo 0000728-05.2013.5.04.0372, julgado em 16/11/2016 perante a C. 8ª Turma), entendo que a prova oral, tanto o depoimento pessoal da autora, como os depoimentos das testemunhas da prova adotada por empréstimo, revelam que no presente caso a relação jurídica havida entre a autora, como consultora de vendas, e a ré Natura, revestiu-se de todos os requisitos do vínculo de emprego, tal como bem fundamentado no voto condutor, o qual acompanho integralmente.

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADORA MARIA SILVANA ROTTA TEDESCO (RELATORA)

DESEMBARGADORA ANA LUIZA HEINECK KRUSE

DESEMBARGADOR JOÃO PAULO LUCENA