Acórdão: 0001337-65.2013.5.04.0702 (ROT)
Redator: JOAO BATISTA DE MATOS DANDA
Órgão julgador: 9ª Turma
Data: 25/05/2021

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO
Identificação

PROCESSO nº 0001337-65.2013.5.04.0702 (ROT)
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
RECORRIDO: WMS SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA.
RELATOR: JOAO BATISTA DE MATOS DANDA

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. VÍNCULO DE EMPREGO COM O TOMADOR DE SERVIÇOS. Hipótese na qual é válida a terceirização pactuada entre as reclamadas, observada a tese fixada pelo STF no Tema nº 725 da Repercussão Geral (ADPF nº 324/DF e RE nº 958.252), e não restaram preenchidos os requisitos necessários para o reconhecimento do vínculo empregatício com o tomador dos serviços (arts. 2º e 3º da CLT), especialmente a subordinação. Sentença mantida, no tópico.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.

Sustentação oral: Adv.: Patricia Andreazza Rebelo Machado (PARTE: Wms Supermercados do Brasil Ltda.) declinou.

Intime-se.

Porto Alegre, 25 de maio de 2021 (terça-feira).

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, inconformado com a sentença de ID. 19118c9, apresenta recurso ordinário no ID. 0f8898f. Busca a reforma da decisão em relação aos seguintes itens: inviabilidade de terceirização praticada pela ré, indenização por dano moral coletivo.

Com contrarrazões no ID. e446a48, os autos sobem ao Tribunal para julgamento.

Recebido por redistribuição, em 18.02.2021 (ID c39457f).

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

1. OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER. INVIABILIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO PRATICADA. DANO MORAL COLETIVO

O Juízo de primeiro grau julgou improcedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, entendendo que a ilegalidade da intermediação de mão de obra em atividade-fim do tomador dos serviços resta superada em razão do julgamento, pelo STF, da ADPF 324 e do RE 958.252, bem como as alterações legislativas trazidas pelas Leis nº 13.429/2017 e 13.467/2017. Em razão da ausência de demonstração de que a ré tenha burlado a legislação trabalhista em relação à intermediação de mão de obra ou intuito de fazê-lo, foi rejeitado o pedido de imposição de obrigações de fazer e não fazer, sendo revogada a tutela de urgência anteriormente deferida nos autos. Na mesma linha, em razão da ausência de descumprimento da legislação trabalhista, foi indeferido o dano moral coletivo.

O Ministério Público recorre, defendendo a inviabilidade da terceirização praticada pela ré, mesmo após a reforma trabalhista e o entendimento do STF na ADPF 324 e no RE 958.252. Aponta que, desde a inicial, defendeu a necessidade do reconhecimento do vínculo laboral dos trabalhadores com a ré, não só com base na Súmula nº 331 do TST, mas porque havia subordinação direta dos trabalhadores. Disse ter sido constatado o labor de trabalhadores sem registro e recebendo por dia de trabalho, e que tais trabalhadores teriam sido arregimentados por Clevy Ramos Portalet, cuja empresa (Ramos e Portalet Ltda.) mantinha contrato de prestação de serviços de asseio e limpeza com a ré.

Cita que, em audiência administrativa, o preposto da empresa admitiu que os trabalhadores estariam sendo utilizados para trocar produto nas gôndolas e setores dentro do supermercado, realizando atividade-fim da ré. Refere que os trabalhadores também eram utilizados para organizar produtos nas prateleiras, atividades de depósito e serviços de limpeza. Argumenta que a contratação não continha qualquer elemento válido para caracterização de terceirização lícita, especialmente porque os trabalhadores estavam trabalhando de modo informal, sem registro, e em razão da subordinação direta aos empregados encarregados do mercado constatada. Nega que os serviços contratados fossem especializados, de forma que a terceirização da atividade-fim jamais poderia ser vista de modo irrestrito e sem a adoção de critérios mínimos. Afirma que o vínculo laboral com a ré decorre do art. 3º da CLT e do princípio da primazia da realidade. Cita ainda que a subordinação direta dos trabalhadores aos prepostos da reclamada foi reconhecida na sentença anulada.

Sustenta que a versão da testemunha carece de qualquer valor probatório, porque era encarregada à época das irregularidades, de forma que não se mostra suficiente para afastar o apontado pela auditoria fiscal do trabalho, que possui presunção de veracidade. Também indica que a testemunha referiu que os trabalhadores trabalhavam diariamente para a ré, o que demonstra habitualidade na prestação de serviços. Pede a condenação da demandada aos pedidos "B" (à exceção da vedação da terceirização de atividade fim) e "C" da inicial, bem como o registro dos trabalhadores de forma direta e consectários.

Ao exame.

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face de WMS Supermercados do Brasil, em dezembro/2013.

Na petição inicial, o Ministério Público do Trabalho relatou ter recebido denúncia de que Clevy de Oliveira Ramos possuía empresa de prestação de serviços que explorava mão de obra de albergados e apenados do regime semi aberto, e que os trabalhadores não possuíam emprego formalizado, recebendo R$ 25,00 por dia, e que prestavam serviços no Nacional da Medianeira, em Santa Maria. Em razão da denúncia, foi instaurado o Inquérito Civil nº 000023.2012.04.002/8.

Citou que na fiscalização ocorrida em 16-02-2012, foi constatada a presença de trabalhadores recebendo por dia trabalhado e sem registro na CTPS, e que os obreiros foram arregimentados por Clevy de Oliveira Ramos, cuja empresa Ramos e Portalet Ltda. mantinha contrato de prestação de serviços de asseio e limpeza com a ré WMS. Relatou que a ré foi notificada a registrar os trabalhadores em situação irregular - o que não foi atendido, já que os vínculos foram formalizados com a prestadora de serviços. Disse que, em razão de ter sido constatado vínculo direto com a WMS, o inquérito em face de Clevy de Oliveira Ramos foi arquivado e abertas duas novas investigações, sendo o PP 000200.2013.04.002/9 para investigar a intermediação de mão de obra. Referiu que, em audiência administrativa, as irregularidades apuradas não foram negadas, havendo confissão da contratação da empresa para trocar os produtos das gôndolas e setores dentro do mercado.

Referiu que os trabalhadores arregimentados pela empresa Ramos e Portalet Ltda. prestavam serviços de reposição de mercadorias nas gôndolas, organização de produtos na prateleiras e atividades de depósito, além de serviços de limpeza. Também sustentou que havia subordinação direta dos trabalhadores aos encarregados do mercado, conforme fiscalização realizada in loco, nos termos do art. 3º da CLT.

Os pedidos formulados pelo parquet foram, em sede liminar, que a ré:

"A) se abstenha de contratar, no âmbito Estadual, empregados mediante interposta pessoa física ou jurídica;

b) se abstenha de terceirizar, no âmbito Estadual, suas atividades-fim e suas atividades-meio, nesse último caso quando houver pessoalidade e subordinação direta com a tomadora de serviços;

C) se abstenha de manter empregados sem o devido registro e anotação da CTPS em âmbito Estadual.

Em caso de descumprimento das obrigações acima, requer-se a fixação de astreintes no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por obrigação descumprida, multiplicada pelo número de empregados prejudicados, incidindo a multa em cada oportunidade em que se verificar o descumprimento, com reversão da quantia ao Fundo de Amparo ao Trabalhador"

(ID. f64a6a7 - Pág. 18).

No mérito, o Ministério Público do Trabalho postulou:

"A) A condenação da ré a cumprir definitivamente as obrigações requeridas como antecipação de tutela (...)

B) a declaração da existência de vínculo de emprego entre os empregados listados no auto de infração nº 02370084 e a ré desde o início da prestação de serviços, com retificação de suas CTPS, em virtude da ilicitude da intermediação de mão de obra praticada;

C) a condenação da ré ao pagamento de diferenças salariais, férias com 1/3 e 13º salário aos empregados referidos no item anterior (...)

E) a condenação da ré ao pagamento de indenização no valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) pelos danos morais coletivos causados, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador; (....)"

- ID. f64a6a7 - Pág. 19.

No relatório de fiscalização trazido no ID. f907da5 - Pág. 5/7, consta que "havia trabalhadores que teriam sido arregimentados por Clevy Ramos Portalet, em nome da empresa prestadora de serviço cujo nome fantasia é C&A Prestadora de Serviços, para realizar serviços de limpeza supermercado, trabalhando nas mais diversas funções dentro do estabelecimento, inclusive em postos de trabalho ligados à atividade fim da empresa, como reposição de mercadorias nas gôndolas e movimentação de mercadorias do estoque para a loja. (...) Em razão das condições encontradas no local de trabalho, a Fiscalização do Trabalho entendeu que a tomadora de serviço seria o Walmart, dirigindo a autuação à empresa tomadora de serviço e não à prestadora denunciada". No mesmo documento, é reproduzido relatório dirigido ao MPT, no qual consta:

"Em levantamento físico realizado dia 16 de fevereiro de 2012 ficou verificado que trabalhadores em atividade naquele local estariam recebendo por dia trabalhado, sem terem registro em CTPS, exames médicos e demais formalidades da norma trabalhistas. Estes trabalhadores foram arregimentados pela sra. Clevy Ramos Portalet (...) Esses trabalhadores ficavam à disposição do Walmart, que através de seus encarregados distribuía as tarefas a serem realizadas, que incluíam o serviço de limpeza propriamente dito e outras atividades típicas de um supermercado, como reposição de mercadorias nas gôndolas, organização dos produtos nas prateleiras e atividades de depósito. (...) Os trabalhadores não haviam sido registrados em nenhuma das empresas, confirmando as informações colhidas junto aos trabalhadores entrevistados. Verificando-se a vinculação direta dos trabalhadores ao supermercado (...) a Fiscalização do Trabalho autuou a empresa Walmart por manter trabalhadores sem registro (...). No andamento da ação-fiscal, o Walmart foi notificado a realizar o registro dos trabalhadores encontrados em situação irregular, situação que não foi atendida. O que ocorreu foi a formalização dos vínculos dos trabalhadores pela empresa Ramos e Portalet LTDA"

(ID. f907da5 - Pág. 5/6).

Assim constou na ata de audiência realizada no Ministério Público do Trabalho:

"Pela Procuradora do Trabalho foi esclarecido o motivo da presente audiência, qual seja, a constatação de irregularidades quanto a terceirização de serviços.

Pelos representantes da empresa foi dito que os empregados em situação irregular poderiam ser promotores de venda contratados por outra empresa para promover as marcas dentro do mercado. Pelo preposto foi salientado que na época de fevereiro de 2012 ocorreu mudanças dentro do supermercado, como a troca de gôndolas e setores e em razão disso foi contratado uma empresa para que prestasse esse serviço em função da reforma, porém ressaltou que nessa época ainda não estava laborando na unidade da empresa representada."

Na mesma oportunidade, foi proposto TAC (ID. 4db6e6d - Pág. 3/4).

Manifestando-se sobre a proposta de TAC, a WMS disse que os fornecedores "são os responsáveis para, nas prateleiras, gôndolas e corredores dos hipermercados, concretizar o plano de comercialização dos produtos". Também disse que as estratégias de vendas dos fornecedores "incluem até mesmo a reposição de produtos nas prateleiras", que também realiza a etiquetagem dos produtos, bem como "promoções/sorteios direcionados ao consumidor final", negando que houvesse terceirização da atividade-fim (ID. 4db6e6d - Pág. 5/8).

Foi então deferida a liminar para que a ré:

"a) se abstenha de contratar, no âmbito Estadual, empregados mediante interposta pessoa física ou jurídica;

b) se abstenha de terceirizar, no âmbito Estadual, suas atividades-fim e suas atividades-meio, neste último caso quando houver pessoalidade e subordinação direta com a tomadora de serviço;

c) se abstenha de manter empregados sem o devido registro e anotação da CTPS em âmbito estadual."

Foi fixado o valor de R$ 20.000,00 por qualquer obrigação descumprida, multiplicada pelo número de empregados prejudicados, a cada oportunidade em que se verificasse o descumprimento (ID. 4db6e6d - Pág. 10/13).

A defesa da reclamada foi no sentido de que não foram indicadas de forma clara e objetiva quais atitudes devem deixar de ser praticadas pela ré, para que não reste caracterizada a pessoalidade e subordinação com as empresas prestadoras de serviços. Disse que haveria necessidade de análise da situação fática de cada trabalhador individualmente, para apurar as atividades exercidas, se havia subordinação, pessoalidade e prestação de serviços, afirmando que a empresa Ramos e Portalet Ltda. prestava diversos serviços, citando limpeza, jardinagem, pintura, etc. Afirmou que os pedidos são genéricos e abstratos. Sustentou que os serviços prestados pelos trabalhadores da empresa Ramos e Portalet Ltda. estavam relacionados à sua atividade-meio, em razão de obra realizada em suas dependências de 22-09-2011 a 01-06-2012, e que incluíam a limpeza de gôndolas e prateleiras, sendo necessária a remoção dos produtos/mercadorias e, após a limpeza, os produtos eram novamente alocados nos respectivos lugares, da mesma forma e disposição. Negou que os empregados fizessem reposição de produtos nas gôndolas e prateleiras, ou fizessem propaganda das mercadorias.

Referiu que a reposição envolve recolher mercadorias violadas, fora do lugar ou com validade vencida, examinar condições do produto, organizar produtos, colocar etiquetas nas gôndolas ou prateleiras, separar mercadorias para balanço e conduzir clientes a mercadoria desejada - funções não desempenhadas pelos empregados listados na exordial. Também negou a existência de subordinação, afirmando que as ordens eram repassadas pela empresa Ramos e Portalet, através de seus prepostos. Disse que não interferiu na prestação de serviços, não realizou controle de presença ou aplicou advertências, bem como não submeteu os trabalhadores a qualquer comando de seus empregados (ID. 4db6e6d - Pág. 21 e seguintes).

Impetrado mandado de segurança pela reclamada (n° 0020299-74.2014.5.04.0000), foi indeferida a liminar requerida pela demandada (ID. 5fcba96 - Pág. 9/15), decisão mantida no TST (ID. 1adcc5e - Pág. 10).

Realizada audiência, constou na ata:

"Por iniciativa do juízo passo a registrar que o procurador da reclamada tem presentes as testemunhas Ednei Emanuel Charão Castro (encarregado de seção), Adriano Baroni Bizarri (coordenador de reforma) e Aldenir Pedro Malmann (encarregado de seção, já tendo atuado como preposto da empresa). Ainda, concedida a palavra ao procurador da reclamada passa a discriminar específica e exaustivamente os fatos que pretende provar com o depoimento das referidas testemunhas: "as testemunhas visam comprovar que durante o período das obras realizadas no estabelecimento da reclamada foi utilizada uma empresa prestadora de serviços (C&A - Ramos e Portalet) que por meio de seus empregados fazia a retirada e recolocação de mercadorias das gôndolas, e não a reposição ou qualquer promoção de vendas das mesmas mercadorias, afim de viabilizar as obras de substituição do piso de todo o estabelecimento e que a referida prestação de serviços ocorreu num prazo de vinte dias; visa também a reclamada comprovar que os empregados da empresa C&A não possuíam qualquer relação empregatícia com a reclamada."(verbis). O procurador da reclamada declara que os fatos que acima ditou para o secretário de audiência para inclusão na ata são todos aqueles que entende necessário e quer provar e/ou contraprovar, não existindo outros implícitos, tácitos ou presumíveis para tanto. Firma a presente declaração ao final da ata."

(ID. 6ce88f3 - Pág. 19/20, destaquei).

Foi dispensada a oitiva das testemunhas, "por entender desnecessária à solução do litígio" (ID. 6ce88f3 - Pág. 19/20).

Proferida sentença, a ação foi julgada procedente, confirmando integralmente a decisão que antecipou os efeitos da tutela, e declarou existência do vínculo de emprego entre os trabalhadores listados no auto de infração n° 023700084 e a reclamada no período em que lhe prestaram serviços, condenando-a ao pagamento de:

"a) em favor dos trabalhadores listados no auto de infração n° 023700084, de diferenças salariais, férias com 1/3 e 13° salário, observada o patamar remuneratório dos empregados que exerciam funções equivalentes;

b) em favor de entidade a ser oportunamente determinada pelo Juízo que conduzir a fase de cumprimento da sentença, de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais)."

(ID. 1adcc5e - Pág. 18 e seguintes).

Interpostos recursos ordinários, esta 9ª Turma deu provimento ao recurso da ré para "declarar nulo o processo a partir da decisão de indeferimento da produção de prova testemunhal, bem como de todos os atos subsequentes, determinando o retorno dos autos à origem para que seja oportunizada a oitiva das testemunhas relacionadas pela ré na ata de ID 6ce88f3 - Pág. 19 e também a produção de prova testemunhal por parte do autor, dando prosseguimento ao feito na forma da lei" (ID. c782e9f).

Realizada audiência de instrução, foi ouvida somente a testemunha Ana Lúcia Carpes Andretta, a convite da reclamada (ID. b7b0395).

Foi então prolatada a sentença recorrida, julgando improcedente a ação (ID. 19118c9).

Destaco que a ação foi ajuizada somente em face da WMS Supermercados do Brasil Ltda., não tendo sido incluída no polo passivo Ramos & Portalet Ltda. - empresa que acabou formalizando a contratação dos empregados após a denúncia. A ação também é específica em relação à contratação irregular dos empregados citados, não abrangendo a denúncia relacionada ao trabalho menor de idade, também constatada na fiscalização.

Feito tal relato, passo ao efetivo exame do mérito do recurso.

Importante registrar que a contratação de mão de obra por meio de empresa interposta não é ilegal, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal - STF no dia 30-08-2018, ao julgar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e o Recurso Extraordinário (RE) 958.252 em repercussão geral, que versavam sobre a possibilidade de terceirização de todas as atividades da empresa. Trata-se de decisão com vinculação em todas as instâncias do Poder Judiciário, sendo excepcionado apenas os processos com trânsito em julgado.

Assim, não há mais razão para discutir-se "atividade-fim" e "atividade-meio". Essa distinção deixou de ter relevância a partir do entendimento do STF, de modo que, agora, toda terceirização é lícita, conforme decidido pelo TST (AIRR - 930-16.2013.5.03.0014, Relator Ministro Breno Medeiros, Data de julgamento: 29/05/2019, 5ª Turma, Data da publicação: DEJT 29/05/2019). No mesmo sentido, foi julgada pelo STF a Reclamação 34249/MG - Minas Gerais em 05-06-2019.

A tese firmada pelo STF é a seguinte:

1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993" (ADPF 324). É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante" (RE 958252).

Sendo lícita qualquer tipo de terceirização de serviços, não há razão para perquirir quais as atividades realizadas pelos trabalhadores.

Ressalto que embora meu entendimento anterior fosse no sentido de aplicação da Orientação Jurisprudencial nº 383 da SDI-1 do TST, reconhecendo o direito à isonomia quando reconhecida a identidade de funções em decorrência da ilicitude na terceirização, passo a seguir o entendimento dos Colendos TST e STF a respeito da matéria, no sentido da inviabilidade do reconhecimento do direito à isonomia quando reconhecida a regularidade da terceirização.

Por outro lado, o vínculo de emprego pode ser reconhecido diretamente com a tomadora de serviços, acaso preenchidos os requisitos da relação de emprego. Tanto a doutrina como a jurisprudência são unânimes ao exigir, para a configuração do vínculo de emprego, a presença conjunta dos seguintes elementos: onerosidade, subordinação, não-eventualidade e pessoalidade (arts. 2º e 3º da CLT).

Como já relatado, desde a petição inicial, o Ministério Público do Trabalho alega a existência de vínculo direto com a WMS, em razão de subordinação direta dos trabalhadores aos encarregados do mercado. Tal fato foi expressamente impugnado pela ré, a qual sustentava que os trabalhadores contratados pela empresa Ramos e Portalet Ltda. somente faziam a limpeza do estabelecimento (incluindo a retirada dos produtos, limpeza e recolocação dos produtos nas prateleiras), em razão da obra realizada.

A fiscalização que gerou o inquérito foi realizada em 01-11-2011 (ID. f907da5 - Pág. 5).

Os documentos trazidos aos autos demonstram a realização de obra no período de 14-02-2011 a 14-02-2012 (ID. 82787cb - Pág. 2), prorrogado até14-02-2013 (ID. 82787cb - Pág. 4). O cronograma da obra consta no ID. a91a385 - Pág. 10/17.

Portanto, na época da inspeção, estava sendo realizada obra na sede da reclamada.

Também veio aos autos contrato de prestação de serviços entre a WMS e a empresa Ramos & Portalet, cujo objeto era o fornecimento de serviços de "limpeza, jardinagem, pinturas e serviços em geral" com prazo determinado de 12 meses, iniciando-se em 22-07-2011 e término em 20-07-2012 (ID. 54729f1 - Pág. 1/10).

Dito isto, observo que consta no relatório da fiscalização que os encarregados do Walmart distribuíam as tarefas a serem realizadas, que incluíam as atividades de limpeza, reposição de mercadorias nas gôndolas, organização de produtos nas prateleiras e atividades de depósito, tendo-se concluído pela vinculação direta dos trabalhadores ao supermercado, "em razão das atividades que realizavam dentro do supermercado e da precariedade formal da contratação com a suposta empresa interposta". (ID. f907da5 - Pág. 6)

No entanto, como já dito, não há mais como reconhecer o vínculo de emprego em razão da atividade desempenhada. O vínculo de emprego somente poderia ser reconhecido em caso de subordinação direta, a qual não restou comprovada nos autos.

Transcrevo o depoimento da única testemunha ouvida neste feito, a qual afirma que os empregados terceirizados trabalhavam na limpeza do estabelecimento em razão da obra, e não eram subordinados aos empregados da WMS, e sim à empresa Ramos e Portalet Ltda. (na pessoa de sua sócia Clevy):

"indagada sobre a intermediação de mão de obra debatida na lide, a depoente declara que houve uma reforma no mercado e naquela época foi contratada uma empresa que colocou funcionários para fazerem serviços de limpeza do local; o número de funcionários disponibilizados por tal empresa era de doze a quatorze; os fatos aconteceram no ano de 2012; indagada sobre os serviços que ditos funcionários terceirizados faziam, declara que, por exemplo, quando o piso era quebrado, faziam a limpeza retirando os restos de material, bem como tiravam o pó das gôndolas, etc.; o que a depoente via os terceirizados fazendo era isso, e declara que eles não levavam mercadorias ao depósito, uma vez que a reclamada possui funcionários próprios para tal tarefa; perguntas da procuradora da reclamada: na época não havia funcionários da reclamada que executassem as mesmas tarefas, pois o pessoal da limpeza fazia outros serviços, limpando os escritórios, etc.; o repositor de mercadorias abastece as gôndolas, verifica os preços, atende os clientes, verifica validade das mercadorias, busca as mercadorias no depósito; o pessoal terceirizado não executava essas tarefas; o pessoal terceirizado usava camiseta amarela; indagada se alguém da reclamada comandava os serviços dos terceirizados, a depoente declara que não, relatando que os funcionários terceirizados eram levados até o local em uma van por uma senhora, a qual permanecia no mercado por um tempo, depois se retirava e voltava para buscá-los no intervalo do almoço, e à tarde repetia o procedimento, voltando para buscá-los à noite; o nome da senhora é Clevi; a depoente estima que o pessoal terceirizado trabalhou dentro do mercado por mais ou menos um mês; depois da referida obra a empresa terceirizada em questão não foi mais contratada; perguntas da Procuradora do Trabalho: a depoente é encarregada da área administrativa; o posto de trabalho da depoente é no depósito, mas costuma circular por todos os setores da loja; a depoente não chegou a conversar com os funcionários terceirizados, mas os via trabalhando; a cada dia era escolhida uma área em que seria quebrado o piso, por exemplo, o que exigia a remoção das mercadorias que estavam nas gôndolas; a depoente não sabe se quem removia as mercadorias era o pessoal terceirizado, pois quando a depoente chegava para trabalhar eles já estavam removendo os entulhos; não houve contratação de outra empresa para a prestação do mesmo tipo de serviço."

(ID. b7b0395, destaquei).

Em que pese tenham sido trazidos os autos de fiscalização verificando a vinculação direta dos trabalhadores ao supermercado, entendo que seria necessário que tal demonstração fosse feita nos autos do processo, o que não ocorreu. Friso que nenhuma testemunha foi ouvida pelo Ministério Público do Trabalho para demonstrar o alegado vínculo direto. Assim, não restou demonstrado que os trabalhadores listados no auto de infração recebessem ordens diretas de preposto da reclamada, ou que fosse ela quem fiscalizasse os serviços prestados.

Ainda, entendo que o depoimento prestado pelo preposto na audiência junto ao MPT não tem a força de confissão pretendida pela parte recorrente, já que não há confissão de subordinação dos trabalhadores ao WMS.

Inexistindo vínculo de emprego diretamente com o WMS, também não há falar em dano moral coletivo.

Ante o exposto, deve ser integralmente mantida a decisão de primeiro grau, que julgou improcedente a ação civil pública.

Nego provimento.

JOAO BATISTA DE MATOS DANDA

Relator

VOTOS

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADOR JOÃO BATISTA DE MATOS DANDA (RELATOR)

DESEMBARGADOR JOÃO ALFREDO BORGES ANTUNES DE MIRANDA

DESEMBARGADORA MARIA DA GRAÇA RIBEIRO CENTENO