Acórdão: 0000591-50.2010.5.04.0203 (AP)
Redator: JOAO ALFREDO BORGES ANTUNES DE MIRANDA
Órgão julgador: Seção Especializada em Execução
Data: 15/09/2021

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO
Identificação

PROCESSO nº 0000591-50.2010.5.04.0203 (AP)
AGRAVANTE: RUTE DUARTE ALVES
AGRAVADO: ANDERSON MONTEIRO DA SILVA, RUTE DUARTE ALVES - AUTOMOVEIS - ME, ALEXANDRO DOS SANTOS ALVES - ME, ALEXANDRO DOS SANTOS ALVES, ALEXANDRO DOS SANTOS ALVES & CIA LTDA - ME
RELATOR: JOAO ALFREDO BORGES ANTUNES DE MIRANDA

EMENTA

AGRAVO DE PETIÇÃO. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. Situação em que embora se reconheça que o artigo 139, inciso IV, do CPC/2015 trouxe importante alteração legislativa no tocante ao uso de técnicas indiretas/atípicas de se dar efetividade a execução da obrigação de pagar mediante medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, entende-se que a suspensão da CNH, além de refugir a competência desta Justiça Especializada, também fere a liberdade de locomoção da executada.

Agravo de petição interposto pela executada a que se dá provimento no item.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da Seção Especializada em Execução do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, dar provimento parcial ao agravo de petição interposto pela executada Rute Furtado Duarte, para: 1) ratificando a decisão proferida na tutela antecipada interposta, cassar a decisão que manteve a suspensão do direito de dirigir, determinando-se o imediato restabelecimento da sua CNH; 2) conceder-lhe, enquanto pessoa física, o benefício da justiça gratuita.

Intime-se.

Porto Alegre, 06 de setembro de 2021 (segunda-feira).

RELATÓRIO

Inconformada com a decisão proferida pelo Juiz Cesar Zucatti Pritsch, a executada RUTE DUARTE ALVES interpõe agravo de petição.

Pretende a reforma do julgado no pertinente à manutenção da suspensão do direito de dirigir e o benefício da justiça gratuita.

Não há contraminuta.

Processo não sujeito a parecer do Ministério Público do Trabalho.

A executada Rute, na data de 24-08-2021, interpos na própria ação, pedido de tutela antecipada incidental para a liberação, com urgência, da sua CNH, o que foi examinado por este relator, deferida e enviado ofício à Vara de origem para cumprimento.

A Vara de origem, em 06-09-2021 informa o cumprimento da liminar deferida.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

AGRAVO DE PETIÇÃO DA EXECUTADA.

PRELIMINARMENTE,.

DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA INCIDENTAL.

A executada Rute, em petição de 24-08-2021, apresenta pedido em caráter de urgência, requerendo a cassação da suspensão de sua CNH afirmando se encontrar em perigo de ser demitida em face a obrigatoriedade do empregador, em contrato de trabalho que se iniciou no início do ano, necessitar possuir carteira de habilitação hábil para o desempenho de suas funções.

Aduz que a anterior venceu ainda em fevereiro/2021 e pelo comando do julgador de origem, que é objeto do agravo, o DETRAN não possibilita que ela renove sua carteira de habilitação.

O pedido foi analisado por este relator, que entendeu procedente suas alegações, deferindo o mesmo, tendo sido expedido ofício à Vara de origem para cumprimento.

NO MÉRITO.

1. SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR.

A executada afirma que foi contratada em 2-01-2021 a fim de exercer a função de repositora de mercadorias, razão pela qual precisa da sua CNH para realizar as atividades para utilizar veículo para deslocamento, haja vista que não possui local de trabalho fixo em apenas um estabelecimento comercial. Aduz que foi informada pelo Detran que não há como renová-la considerando a restrição judicial de suspensão imposta em data anterior, e o fato de não possuir carteira de habilitação implica em risco real de ter seu contrato rescindido.

Assim restou decidido na origem (fl. 30 do pdf):

Vistos etc.

Inclua-se a devedora no SERASA imediatamente.

O contrato temporário para como repositora de mercadorias não prevê o uso de veículo, próprio ou da empresa, e não exige a habilitação para dirigir. Aliás, havendo a necessidade de deslocamento entre um estabelecimento e outro, em contratos similares, é praxe que o contratante forneça os meios (e.g. vale-transporte).

Por outro lado, a retirada de habilitação para dirigir constitui um dos últimos meios que o Estado-Juiz possui para, por meios indiretos (art. 139, IV, do CPC) exerça coerção sobre a parte ré para que providencie o pagamento ou parcelamento da dívida.

Assim, indefere-se o requerimento do levantamento da suspensão do direito de dirigir. Intimem-se ambas as partes.

Muito embora este relator não desconheça que o artigo 139, inciso IV, do CPC trouxe importante alteração legislativa no tocante ao uso de técnicas indiretas/atípicas de se dar efetividade a execução da obrigação de pagar mediante medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, entende-se que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, requerida pelos exequentes, fere a liberdade de locomoção da executada.

Esta inclusive, é medida adstrita à seara penal, que não se insere na competência da Justiça do Trabalho, conforme já proclamou o STF na ADI nº 3.684 MC.

Neste sentido as seguintes decisões desta Seção Especializada:

AGRAVO DE PETIÇÃO DA EXEQUENTE. SUSPENSÃO DA CNH E PASSAPORTE COMO MEDIDA A CONSTRANGER O DEVEDOR AO ADIMPLEMENTO DA DÍVIDA. A suspensão da carteira nacional de habilitação e do passaporte dos sócios executados, como maneira de constrangê-los ao saldamento da dívida exequenda, extrapola os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, além de violar o direito fundamental à liberdade de locomoção e ofender ao princípio da menor onerosidade. Negado provimento. (TRT da 4ª Região, Seção Especializada em Execução, 0000078-31.2010.5.04.0802 AP, em 10/12/2018, Desembargador João Batista de Matos Danda)

AGRAVO DE PETIÇÃO DA EXEQUENTE. EXECUÇÃO. MEDIDAS COERCITIVAS. APREENSÃO DE CNH E PASSAPORTE E CANCELAMENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO. IMPOSSIBILIDADE. Incabível que a execução de débito trabalhista extrapole o patrimônio dos executados e invada sua liberdade pessoal, não tendo tal alcance o disposto no art. 139, inciso IV, do CPC. Medidas coercitivas indeferidas. Adoção de precedentes da SEEx. (TRT da 4ª Região, 7ª Turma, 0020913-65.2013.5.04.0404 AP, em 18/07/2018, Desembargadora Maria da Graça Ribeiro Centeno)

Aos fundamentos expendidos, dá-se provimento ao agravo de petição interposto pela executada no item, para ratificando a decisão proferida na tutela antecipada interposta, cassar a decisão que manteve a suspensão do direito de dirigir, determinando-se o imediato restabelecimento da sua CNH.

2. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.

A executada postula o deferimento da gratuidade da justiça.

Assim restou decidido na origem (fl. 39 do pdf):

Vistos, etc.

RUTE DUARTE ALVES opõe embargos de declaração.

Vista às partes contrárias. Autos conclusos. É o relatório.

Com relação à omissão quanto ao pedido de assistência judiciária gratuita, com razão a embargante, passo a sanar.

Ainda que pessoa física, entendo que no caso dos autos, a embargante deve comprovar situação de miserabilidade que a impeça de arcar com as despesas processuais, o que não é demonstrado. Indefiro.

DECISÃO:

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTES os Embargos Declaratórios opostos pela embargante. Incidente processual não sujeito a custas. A presente decisão integra-se ao decidido na sentença retro.

Intimem-se as partes. Prossiga-se. Nada mais.

Impende salientar que o benefício da justiça gratuita e/ou assistência judiciária pode ser requerido a qualquer tempo, estando o processo em curso, inclusive na fase recursal (Orientação Jurisprudencial nº 269 da SBDI-1 do TST).

Para o deferimento da assistência judiciária, a norma legal prevê a declaração expressa da condição de miserabilidade jurídica (perceber salário inferior ou igual ao dobro do salário mínimo legal, ou ainda, comprovar ou declarar, sob as penas da lei, a sua condição de incapacidade econômica), de forma que não lhe permita demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

Desta forma, em princípio, o benefício da assistência judiciária ou justiça gratuita se destina ao trabalhador isoladamente considerado e não à pessoa jurídica. Os diversos dispositivos legais que se referem à isenção de despesas processuais e à assistência judiciária ou justiça gratuita, como o artigo 790, parágrafo 3º, da CLT, artigo 4º da Lei nº 1.060, de 05-02-1950, com a redação dada pela Lei nº 7.150 (de 04-07-1986); artigo 14, parágrafo 1º, da Lei nº 5.584 (de 26-06-1970); artigo 1º da Lei nº 7.115 (de 29-08-1983); e o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal de 1988, referem-se à pessoa física, ao trabalhador, e não a uma instituição ou pessoa jurídica.

No caso em apreço, observa-se que o pedido refere-se à executada enquanto pessoa física, sendo que do exame da documentação coligida aos autos, sobretudo o contrato de trabalho da fl. 25 do pdf, pelo qual a executada receberá R$ 943,12 mensais, entende-se que esta faz jus à gratuidade da justiça devendo ser isentada do pagamento das custas processuais que lhe incumbirem.

Impõe-se destacar, contudo, que tal deferimento não abrange os demais executados, tampouco a pessoa jurídica executada nestes autos.

Com base nesses fundamentos, portanto, dá-se provimento ao agravo de petição interposto pela executada RUTE DUARTE ALVES, no item, para conceder-lhe, enquanto pessoa física, o benefício da justiça gratuita.

3. DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA.

Requer a executada a cominação do pagamento de honorários de sucumbência pelo exequente.

Inviável tal postulação, adotando-se o teor da OJ. nº 54 da SEEx.

Nega-se provimento no item.

JOAO ALFREDO BORGES ANTUNES DE MIRANDA

Relator

VOTOS

DESEMBARGADORA LUCIA EHRENBRINK:

Faço ressalva ao entendimento do voto, pois reputo plenamente pausível a apreensão da CNH, como proedido na origem, além da apreensão de passaporte e cancelamento de crédito, dentre outras medidas. Isto porque o artigo 139, IV, do CPC confere ao juiz a possibilidade de "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária".

Cito nesta linha:

EMENTA: "HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO DE CNH DE DEVEDOR TRABALHISTA. INEXISTÊNCIA DE ATO ILEGAL E DE VIOLAÇÃO DO DIREITO DE IR E VIR. A determinação de suspensão e apreensão da CNH dos sócios executados, depois de exauridas, em face da empresa e dos sócios, todas as tentativas de satisfação do débito executado, não constitui ato ilícito. A matéria está disciplinada no art. 139, III do CPC, dispositivo aplicado subsidiariamente ao processo de execução trabalhista tanto por força do art. 15 do CPC quanto do art. 3º, III da Instrução Normativa nº 39/2016 do c. TST. Para além, não representa violação do direito de ir e vir, uma vez que a locomoção do paciente poderá se dar livremente por outros meios." (TRT18, HC - 0010219-22.2018.5.18.0000, Rel. Eugênio José Cesário Rosa, Tribunal Pleno, 14/06/2018)

O STJ também se posiciona de forma favorável a tal suspensão (RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 99.606 - SP (2018/0150671-9).

E ainda, cito recente acordo, amplamente divulgado pela imprensa nacional, adotando-se como fonte o jornal Zero Hora:

O ex-jogador Ronaldinho fez um acordo com Ministério Público na Justiça do Rio Grande do Sul para receber seu passaporte de volta. A apreensão do documento dele e do irmão, Roberto de Assis Moreira, foi determinada em novembro de 2018 por conta de uma condenação por multa ambiental pela construção de um trapiche no Guaíba, em Porto Alegre.

Conforme o Termo de Audiência publicado nesta quarta-feira (11) no sistema do Tribunal de Justiça, Ronaldinho e Assis devem depositar R$ 6 milhões em um Fundo para Reconstituição de Bens Lesados até o dia 1º de outubro. O valor é abaixo do que foi definido quando a sentença transitou em julgado, com multa e indenização chegando a R$ 8,5 milhões.

DEMAIS MAGISTRADOS:

Acompanham o voto do(a) Relator(a).

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADOR JOÃO ALFREDO BORGES ANTUNES DE MIRANDA (RELATOR)

DESEMBARGADORA MARIA DA GRAÇA RIBEIRO CENTENO (REVISORA)

DESEMBARGADORA CLEUSA REGINA HALFEN (NÃO VOTA)

DESEMBARGADOR MARCELO GONÇALVES DE OLIVEIRA

DESEMBARGADORA LUCIA EHRENBRINK

DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO MAY